14.12.06

O retrato do aborto

Leia-se no Jornal “Público” de ontem acerca do primeiro estudo de base científica sobre o fenómeno do aborto clandestino em Portugal:

“Entre 346 e 363 mil mulheres em idade fértil já terão interrompido voluntariamente a gravidez e, só no ano passado, o número de abortos oscilou entre os 17.260 e os 18 mil (…)”

“Das duas mil mulheres inquiridas, 14,5 por cento admitiram já ter feito um aborto em algum momento da sua vida. Quando se restringe a pergunta ao universo daquelas que já engravidaram, porém, a percentagem das que afirmam ter interrompido a gravidez sobe para 20 por cento, ou seja, uma em cada cinco mulheres que engravidou em algum momento da sua vida fez um aborto. Mais de metade são mulheres até aos 24 anos, apesar de a percentagem na faixa etária entre os 25 e os 34 anos ter um peso significativo (35,6 por cento).”

Estes números tornam difícil minimizar ou ignorar o peso que o aborto clandestino tem na saúde física e psíquica das mulheres em Portugal. Leia-se ainda nas páginas do Jornal que “isso permite concluir que as circunstâncias que levam as mulheres a abortar atingem todos os níveis educacionais e, portanto, todos os estratos económicos.” E ainda “o facto de 20 por cento admitir ter tido complicações após o aborto, o que é muito.”


Palavras para quê?

Por Adriana Curado

7.12.06

Representações Sociais sobre Criatividade

Artigo apresentado nas Jornadas Internacionais sobre Representações Sociais (João Pessoa - Brasil - 2005)
Representações Sociais sobre Criatividade construídas por Professores e Alunos no âmbito da disciplina de Educação Visual

RESUMO: A criatividade é entendida como um potencial existente em qualquer indivíduo, que para ser desenvolvida necessita de condições e ambientes adequados, ocorrendo a criatividade numa relação constante entre o sujeito e o mundo que o circunda. A disciplina de Educação Visual (EV) é considerada no 3º Ciclo do Ensino Básico (3ºCEB) a disciplina que privilegia a criatividade, porém percepciona-se a existência de diferentes discursos e práticas sobre criatividade por parte de professores e alunos, na interface da dinâmica da sala de aula.

OBJECTIVO: Identificar as representações sociais sobre a criatividade, construídas por professores e alunos do 9º ano do 3ºCEB no âmbito da disciplina de EV.

MÉTODO: O estudo é do tipo exploratório, realizado com professores de EV e alunos que aceitaram participar da investigação, de ambos os sexos, escolhidos aleatoriamente nas escolas de ensino básico. Na recolha de dados foi utilizado como instrumento, o teste da associação livre de palavras, aplicado a uma amostra composta por 42 sujeitos (21 alunos e 21 professores), que teve como palavra indutora «criatividade». Os dados recolhidos foram submetidos ao software Tri-Deux Mots 2.2 (CIBOIS, 1995), apresentando um corpus de 219 palavras.

RESULTADOS: Os professores representam criatividade por: “diferença”, “originalidade”, “imaginação” e “criação" e os alunos por: “imaginação”, “arte” e “trabalho”. Os resultados indicam a existência de diferenças nas representações sociais sobre criatividade no âmbito da disciplina de EV no grupo dos professores, dependendo da faixa etária e do sexo ao qual pertencem.


CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os alunos representam criatividade no âmbito da disciplina de EV, na interface do pensamento abstracto: “imaginação” e ”arte”, articulado com o pensamento concreto: “trabalho”. Os professores representam criatividade na relação do pensamento abstracto: “originalidade” e “imaginação”, articulado com o pensamento concreto: “criação” e “diferença”. Os dados obtidos no nosso estudo permitem-nos verificar a existência de diferentes representações sociais dependendo do sexo ao qual se pertence.

Palavras-chave: Criatividade; Representações Sociais.

Vieira, Tânia Sardinha (Esc. Sec. Alves Martins - Portugal); Pereira, M.ª João Costa (IAMT - Portugal); Silva, Antonia Oliveira (UFPB–PB/BR).

Por Tânia Sardinha

1.12.06

SIDA

Comemora-se hoje o Dia Mundial de Luta contra a Sida, com más notícias para Portugal. Na Europa a 25, somos os segundos, logo a seguir à Estónia, em número de novos casos de infecção (251 por milhão de habitantes). Seríamos, talvez, os primeiros não fosse a elevada subnotificação, que continua a persistir apesar do regime de declaração obrigatória ter entrado em vigor há mais de um ano. A ONU estima mesmo que o número de infectados seja mais do dobro do que está declarado. Isto porque, segundo explica o coordenador nacional Henrique Barros ao jornal "Público" de hoje, só agora está a ser criada uma "aplicação informática" que centralize a informação proveniente dos diversos serviços de saúde. Outro dos problemas prende-se com o facto de numerosos clínicos não fazerem a declaração na "esperança" de que outros a façam. Assistimos, não raras vezes, ao "desaparecimento" do doente com VIH no caminho entre o serviço que o detecta e o serviço de infecto-contagiosas para onde é enviado. Não tem havido uma estratégia conjunta e consistente dos serviços para fazer face ao "abandono" e "desamparo" a que estes doentes são votados.

Ainda dois apontamentos, antes de ir à toxicodependência. Pelo último relatório da ONUSida ficamos a saber que em Portugal o número de homossexuais infectados aumentou em dois terços, contrariamente ao que tem sucedido noutros países da Europa. O segundo apontamento não pode deixar de ir para o fenómeno em meio prisional. Constatamos com indignação que continua quase tudo na mesma, ressalvando o esforço feito na detecção do VIH entre reclusos. Os preservativos não são distribuídos de forma sistemática e a troca de seringas é uma miragem! Até quando?

Sida e toxicodependência, ora vamos lá ver o que se passa, porque é a realidade com que lido mais de perto. Dos toxicodependentes que permanecem em tratamento e visitam regularmente as estruturas do IDT, podemos dizer que estão relativamente controlados, porque são alvo de exames periódicos e têm ao seu dispor um manancial de respostas, que vão do apoio social ao acompanhamento psicológico, além da parte médica, geralmente feita em articulação com os serviços de doenças infecto-contagiosas. Contudo, também nestes serviços assistimos à subnotificação e à falta de dados estatísticos fiáveis. Só agora se está a começar a fazer um esforço nesse sentido, com orientações vindas dos serviços centrais e procedimentos estandardizados. Vai ser implementado em 2007 o "Programa Klotho", que pretende assegurar a identificação precoce e prevenção do VIH entre os utilizadores de drogas e a sua correcta referenciação às unidades hospitalares. No fundo, são os chamados "testes rápidos", à semelhança do que já é feito nos Centros de Aconselhamento e Detecção do VIH. Este programa foi desenvolvido pelo CNSIDA e pelo IDT e entre as suas principais virtudes estão a possibilidade de um acompanhamento mais integrado e integrador pré e pós teste e a aposta na prevenção daqueles que ainda não estão infectados, mas apresentam os riscos inerentes ao consumo de drogas.

Algumas dúvidas se levantam ainda quanto à metodologia dos testes rápidos. Onde ficará o tempo de espera que é o tempo da elaboração para o psiquismo dar conta da notícia "catastrófica" que é um resultado positivo? Esta reflexão preocupa actualmente os psicólogos dos serviços onde vai ser implementado o programa. Espero vir, lá mais para a frente, com um post dedicado ao assunto.


PS: Ainda bem que a oposição ao executivo camarário de Lisboa não deixou passar em branco a inusitada falta de articulação com o IDT na criação das primeiras "salas de chuto" em Portugal. Que sentido faz trabalhar-se isoladamente?