13.2.08

Espelho meu, espelho meu..

Às vezes pomo-nos a conversar e apetece-nos partilhar ideias de outros que descobrimos. O texto é longo e as conversas como as cerejas..mas este texto é fruta madura!
E diz-nos com muita precisão.
Ei-lo:
A nova pequena burguesia inclui todas as ocupações que envolvem a apresentação e a representação, e ocupações em todas as instituições que fornecem bens e serviços simbólicos. Muito disto envolve o trabalho simbólico de produção de necessidades no marketing e nas vendas, mas também trabalhos no sector público que envolvem a produção de necessidades de serviços públicos, assim como a provisão de serviços garantidos pelos centros de dia, serviços de recuperação de toxicodependentes e as relações raciais. A nova pequena burguesia luta ,frequentemente, pela criação de empregos conforme as suas ambições, mesmo no sector público onde ocupações em regime de semi-voluntariado têm ganho estatuto de serviço público e financiamento dos governos locais. Podem obter sucesso através de estratégias de profissionalização, através de lutas para legitimar novas licenças e certificações, parcialmente através da promoção de uma "moralidade terapêutica" como ideologia legitimadora, no caso, por exemplo, de sexólogos ou conselheiros matrimoniais.
Ao se promover, a nova pequena burguesia cultural encoraja "projectos de reabilitação simbólica"; isto é, ela dá aos objectos culturais (frequentemente pós-modernos) um novo estatuto como parte de estratégias de reabilitação para as suas próprias carreiras. No trabalho dos media, na publicidade, no design, como intermediários culturais, eles são criadores de gostos. Os seus próprios gostos, o estudo de Bourdieu indica, tendem a ser dirigidos para formas de cultura com falta de legitimação, como o jazz e o cinema. O novo pequeno burguês, frequentemente em trajectória descendente em relação ao seu millieu social e não aceite pelo establishment cultural, tem a "disposição cultivada para a cultura ainda não legitima". Entre os intelectuais, podem encontrar aliados em recém-chegados às instituições culturais; entre os académicos de esquerda, nas instituições de ensino superior onde a partir da década de 60 são admitidos. Nestas salas de aula este basclergé, parcialmente através de uma estratégia de auto-legitimação vis-à-vis a academia estabelecida, têm frequentemente desempenhado um papel democratizador e radicalizante, quer como marxistas, quer como uma qualquer espécie pós-moderna. O mainstream, no entanto, desta pequena burguesia pós-moderna de intermediários culturais desempenha um papel objectivamente reaccionário. Em possível aliança com a nova burguesia – cujos gostos internacionais, anti-tradicionais partilham – a nova pequena burguesia produz imagens que "legitimam o estilo de vida" da vanguarda ética da classe dominante que é a nova burguesia.
Esta nova pequena burguesia não tem apenas um habitus que a predispõe à recepção e produção de objectos culturais pós-modernos mas, também, um habitus desestruturado e descentrado. Então, ele ou ela tem uma grelha baixa (i.e. estruturas classificatórias) e vive para o momento, não sendo afectado/a por constrangimentos e travões impostos por memórias colectivas e expectativas". Ele ou ela têm um factor baixo de "grupo" (a força da barreira entre "nós" e "eles"), que se caracteriza, Bourdieu observa, numa recusa de ser pequeno burguês. Isto é, ao mesmo tempo uma recusa de estar agarrado em qualquer lugar particular no espaço social. Estes novos intermediários culturais preferem ver-se como "excluídos" ou "marginais". O ponto neste contexto é que se esta nova pequena burguesia e a nova burguesia – e eles estão particularmente bem colocados para o fazer dado os seus números crescentes e localização estratégica como fazedores de gostos – são capazes de imprimir, de forma hegemónica, o seu "ethos cultural pós-moderno" no habitus de outras classes.

in "Disorganized Capitalism"

Scott Lash and John Urry: The End of Organized Capitalism. Gerrards Cross: Polity Press, 1988.

1 comentário:

Anónimo disse...

Parece que não há fuga possível. Todos os lugares são classificáveis.Afinal a tentativa de uma Arte limpa de "angústias de influência" é um "habitus".... o senhor-autor despede-nos desse lugar alternativo e marginal e publica a matéria de que é feito.
Gostava de saber como se posiciona moralmente o senhor que escreve.
Ah!Ter fé!...Ter uma posição moral!..
Se isto fosse um alegoria, o sociólogo estaria à entrada da gruta e nós lá dentro, nús, mas todos contentes com a indumentária pós-moderna, alternativa, cheia de acessórios tecnológicos.
Quantos se darão conta?
Ao fim e ao cabo alimentamo-nos dos Desejos uns dos outros, e o prazer é isso mesmo: uma roda viva/vida de trocas viciadas em imediatismo.

A Castro