31.12.07

Um novo ano. Outra e a mesma história.

Porque é momento de recomeços, saúdo-vos.

Porque é tempo de promessas, compromissos, desejos cheios e fortunas, proponho a leitura de uma pequena parte de um livro escrito pelo Dr. Óscar F. Gonçalves.
O autor inicia o seu livro resgatando D. Quixote, heróico cavaleiro, esquecido por tantos mas, por outros mais, figura de referência, para nos falar de narrativas, de histórias de vida, de contos, de autores e construções.

Apresento o texto por uma razão vasta. Pelas palavras que usamos e gastamos, pelo silêncio caro que por vezes procuramos ou perdemos, pela autoria desejada e conquistada da nossa própria história de vida (perdida a história dos nossos, num resgate que se impõe), por D. Quixote e pelo sorriso que me desperta, por todos os motivos que me lembrei e não escrevi e por todos aqueles encontrados pelo leitor, os quais gostaria de conhecer.

Com os votos de um ano novo cheio de descobertas, curiosidades, trabalhos e conquistas.
Boa Leitura.


"Ao apresentar ao leitor a imortalizada figura de D. Quixote, Miguel Cervantes recorda-nos que tudo começou no esforço de preenchimento dessas longas tardes em que a personagem se debatia sobre o que fazer com o desmedido espaço e tempo que se lhe afiguravam.
"À semelhança de qualquer narrativa, a vida não passa afinal de um modo complexo de gestão de espaço e tempo. Diante da folha em branco, o autor desenha as personagens que, por sua vez, vão garatujando os seus próprios caminhos na diversidade de cenários e no cruzamento de temporalidades. Tal como D. Quixote, o autor toma a indefinição criativa do espaço e a flexibilidade dos movimentos do tempo como condição necessária para o despertar da sua autoria.
"No entanto, nas primeiras linhas da sua construção, D. Quixote está ainda aquém do processo de autoria, num limbo criativo, na gestação questionante do seu ócio. D. Quixote ocupa o tempo vivendo vicariamente as experiências de outras personagens, deleitando-se numa leitura compulsiva das obras de cavalaria. Com estas leituras, lembra-nos Cervantes, vai-se progressivamente afastando do mundo, chegando ao ponto de se esquecer da administração da sua própria fazenda, bem como de todos os seus bens terrenos. Era, na opinião do autor, uma alienação que o insanescia e que de tanto ler "lhe foi secando o cérebro". No entanto, é no contexto deste insanescimento que decorre o motivo de uma nova procura. Procura testemunhada pelo momento em que D. Quixote decide passar da condição de leitor à condição de autor da sua vida. O espaço e o tempo deixam de ser objecto de uma contemplação ociosa para adquirirem a condição de experiência activa. D. Quixote decide fazer de si próprio "caballero andante, e irse por todo el mundo com sus armas e caballo a buscar las aventuras"."

Viver narrativamente. A psicoterapia como adjectivação da experiência. Óscar F. Gonçalves

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