13.11.06

A Saúde Mental em Portugal: em que Estado?

O relatório do Conselho Nacional de Saúde Mental (2002) não deixa margem para dúvidas: as actuais estruturas públicas de saúde mental são insuficientes e desadequadas, não só pela terrível carência de especialistas, mas também pela falta de “sensibilidade” e “motivação” dos chefes de serviço, que por sua vez encabeçam um ministério e uma política global onde a saúde mental não tem lugar e onde as boas intenções ficam, na maior parte das vezes, no papel, inexequíveis. Os chamados indicadores de saúde olham muito para a taxa de mortalidade, mas como na saúde mental a “morte” é outra… lá ficamos nós… os últimos da Europa…

O referido relatório incide também sobre outro aspecto: a tão importante organização dos serviços! A história reza o seguinte: achou-se a certa altura (lá nos findos anos 80 e inícios de 90) que o melhor era seguir o chamado “modelo comunitário”, muito generoso nos objectivos, é certo. Criar-se-iam estruturas de proximidade para se esvaziar o grosso dos grandes hospitais psiquiátricos e tudo contribuiria para diminuir o “estigma” e ajudar à reinserção dos doentes mentais. O ideário do modelo contava também com uma harmoniosa articulação entre os diversos serviços, incluindo as unidades de cuidados primários. O que é que aconteceu? Extinguiram-se os serviços descentralizados e autónomos existentes (20 Centros de Saúde Mental para adultos e 3 Centros de Saúde Mental Infantil e Juvenil), cujas funções foram integradas nos Departamentos de Psiquiatria e Saúde Mental dos hospitais gerais e pediátricos, respectivamente. Contudo, é mais do que sabido que grande parte desses departamentos carece de equipas multidisciplinares, centrando-se numa “progressiva medicalização das intervenções”, sem atender à multiplicidade e complexidade da doença mental. Sobretudo em situações clínicas graves, a experiência mostra-nos a necessidade de prestar cuidados continuados numa rede de serviços diversificados. O actual SNS revela o quão longe estamos dessa realidade! Basta olhar com atenção para os números da Rede de Referenciação, publicada em 2004 pela Direcção Geral da Saúde. Só a título de exemplo, vemos que nos 10 hospitais da Região Centro (incluindo 3 hospitais psiquiátricos), que têm resposta ao nível da saúde mental, existem nos quadros apenas 21 psicólogos. Ao nível da saúde mental infantil e juvenil, o cenário é ainda mais arrasador, considerando o Conselho Nacional de Saúde Mental ter havido um “retrocesso de décadas”. Actualmente apenas existem equipas multidisciplinares em 3 departamentos e os especialistas (pedopsiquiatras) estão quase exclusivamente concentrados em Lisboa, Porto e Coimbra.

Quer isto dizer que a prometida proximidade e continuidade dos serviços de saúde mental, assim como a efectiva coordenação com outros serviços (Centros de Saúde) e instituições da comunidade (escolas, IPSS, etc) é claramente insuficiente e ineficiente. Mais do que a falta de especialistas, é a falta de interesse do poder político que dita o pobre Estado da saúde mental em Portugal. Nada de novo, portanto! Se o critério economicista é o critério por excelência, então que se façam as contas de quanto custa ao País este desinvestimento sistemático na Saúde Mental!

Por Adriana Curado

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