25.1.07

Oficinas face-a-face

Sou uma entusiasta dos face a face. Estar ali mesmo em frente aos olhos de quem fala, sentir-lhe o timbre, o gesto, o entusiasmo ou o tédio, topar os sinais, alinhar na conversa, em tempo real, estar presente para construír coisas comuns que valham a pena, dizer: vamos pensar alto no que queremos do mundo; ainda hoje aprendi mais um caminho por onde pode ser bom caminhar.

E zangarmo-nos se for preciso com o que falta fazer; com a negligência, a indiferença, a distracção e o cansaço, com esta coisa de só termos duas pernas e dois braços e querermos ser mais, querermos saber ver como viu aquele menino que disse: eu sei de um menino que sofre. Ele tem sempre as sobrancelhas inclinadas.

Há mais do que ciência em ver para além das sobrencelhas inclinadas.

No outro dia estivémos juntos a falar desta vontade de olhar melhor.

Para saber mais coisas da violência, da inquietação, do silêncio, do medo, do isolamento, da angústia, da solidão e de tantas misérias que fazem parte do mundo de algumas crianças que, dizia o menino, estão do outro lado do mundo. (Mas estão também no mesmo mundo do que nós.)

Sentimos: há que desfazer mitos, estar atento, interpretar os alertas, conversar, pensar em conjunto, colocar questões à escola, ao estado, às famílias, mas acima de tudo, a nós próprios. Procurar fazer o que é possível fazer com duas pernas e dois braços e felizmente também com um aparelho para pensar.

Exigimos portanto, técnicos implicados, atentos, disponíveis, solidários, a trabalhar em rede, exigentes, persistentes, capazes de se questionar. A começar por cada um de nós.

Mesmo que não tenhamos o olhar tão afinado do menino. Ou as palavras do Gonçalo Tavares, tão sábias:

" O homem vestido de preto é velho e desde há uma semana que não tem mulher. As pessoas não foram educadas para permanecer imóveis: o que devo fazer em frente a alguém que sofre?

Se a terra tivesse a forma correcta de um cubo, poderíamos fazer cálculos de ângulos e diagonais e perceber exactamente quanto tempo demora um corpo a subir ao céu, ou pelo menos a encostar-se simpaticamente ao tecto do nosso quarto para nos proteger. Mas a terra não é um cubo perfeito.

O homem vestido de preto chora, na mão dois quilos de pêras. Pego nelas, para o aliviar, mas não pego no resto porque não é possível: de que lado se segura na tristeza?

A cinco centímetros de um homem que sofre tu podes nada sofrer, e o mundo e os homens são isto, o resto é estratégia e contratos de sobrevivência.

O velho vestido de preto bebe um copo de água. A água a entrar num homem vestido de preto, a água a entrar numa roupa preta: como diluír o preto da roupa com um copo apenas?

Muitos litros de água terá que beber o home que sofre."

Por mjoaoregala

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