19.1.07

Estranho argumento

Confesso que tenho andado distraída, sem prestar muita atenção aos jornais, por fastio e cansaço, para já não falar da abominável TV que deixei de ver por motivos de saúde mental. Contudo e sem disso ter culpa, ao virar da rotunda tenho-me deparado com enormes outdoors, que começam a ser semeados por todo o país, a propósito do referendo do aborto. À primeira volta na rotunda nem queria acreditar. Falava-se qualquer coisa... impostos. Ainda duvidei e não fiando lá andei, andei até que consegui reconstruir a frase. Qual não foi o meu espanto, era mesmo! Era de impostos que se falava e depois vim a perceber que esse era o argumento central de muitos dos movimentos pelo não para tocarem mesquinhamente num povo que vive os constrangimentos da crise. Para que se perceba melhor o que quero dizer, reproduzo aqui a frase contida na propaganda da "Plataforma Não Obrigado": "Contribuir com os meus impostos para financiar clínicas de aborto? Não Obrigada".


Qual será o objectivo de tão enviesado argumento? O que é que se pretende para além de conquistar votos? Não me vou aqui demorar a desmanchar tamanho absurdo, porque para mim não se fazem contas com a saúde das pessoas desta maneira. Para mim, basta só relembrar os milhares de mulheres que todos os anos vão parar aos hospitais públicos para serem tratadas das complicações pós-aborto. Será preferível gastar os impostos desta maneira?


O que me preocupa verdadeiramente neste argumento que é sem dúvida perverso, é o alcance que isto pode ter mesmo que se venha a mudar a lei que criminaliza a mulher. Ou seja, o meu maior receio é que se mude sem nada mudar. Ora... tantas vezes isso sucede neste país! Que quer isto dizer? Que as senhoras ricas e endinheiradas continuem a deslocar-se a clínicas com as devidas condições, mas pagas a peso de ouro, e que as pobres, não garantindo o Serviço Nacional de Saúde esse serviço, continuem na clandestinidade. Sim, na clandestinidade, porque a lei não vai acabar com ela, se o estranho argumento se colar aos ouvidos do senhor ministro, como parece que se colou. Portanto, o estranho argumento dos movimentos pelo não vai muito para além da batalha eleitoral e pretende deixar tudo na mesma (ou quase, é evidente!), agravando ainda mais o fosso social, como se a saúde não fosse para todos!

Por Adriana Curado

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