14.11.08


“Queres, meu irmão, insular-te? Queres procurar o caminho que te guia a ti mesmo? Espera ainda um momento e ouve-me.
“O que procura, facilmente se perde a si mesmo.
Todo o insulamento é um erro”. Assim fala o rebanho. E tu pertenceste ao rebanho durante muito tempo.
Em ti também ainda há de ressoar a voz do rebanho. E tu pertenceste ao rebanho durante muito tempo.
Em ti também ainda há de ressoar a voz do rebanho. E quando disseres: “Já não tenho uma consciência comum convosco”, isso será uma queixa e uma dor.
Olha: essa mesma dor é filha da consciência comum e a última centelha dessa consciência ainda brilha na tua aflição.
Queres, porém, seguir o caminho da tua aflição, que é o caminho para ti mesmo? Demonstra-me o teu direito e a tua força para isso!
Acaso és uma força nova e um novo direito?
Um primeiro movimento? Uma roda que gira sobre si mesma? Podes obrigar as estrelas a girarem em torno de ti?
Ai! Existe tanta ansiedade pelas alturas!
Há tantas convulsões de ambição! Demonstra-me que não pertences ao número dos cobiçosos nem dos ambiciosos!
Ai! Existem tantos pensamentos grandes que apenas fazem o mesmo que um fole. Incham e esvaziam.
Chamas-te livre? Quero que me digas o teu pensamento fundamental, e não que te livraste de um jugo.
Serás tu alguém que tenha o direito de se livrar de um jugo? Há quem perca o seu último valor ao libertar-se da sua sujeição.
Livre de quê? Que importa isso a Zaratustra? O teu olhar, porém, deve anunciar-se claramente: livre, para quê?
Podes proporcionar a ti mesmo teu bem e o teu mal, e suspender a tua vontade por cima de ti como uma lei? Podes ser o teu próprio juiz e vingador da tua lei?
Terrível é estar a sós com o juiz e o vingador da própria lei, como estrela lançada ao espaço vazio no meio do sopro gelado da soledade.
Ainda hoje te atormenta a multidão; ainda conservas o teu valor e as tuas esperanças todas.
Um dia, contudo, te fatigará a soledade, se abaterá o teu orgulho e cerrarás os dentes. Um dia clamarás: “Estou só!”
Chegará um dia em que já não vejas a tua altura, e em que a tua baixeza esteja demasiado perto de ti. A tua própria sublimidade te amendrontará como um fantasma. Um dia gritarás: “Tudo é falso!”
Há sentimentos que querem matar o solitário. Não o conseguem? Pois eles que morram! Mas, serás tu capaz de ser assassino?
Meu irmão, já conheces a palavra “desprezo”? E o tormento da justiça de ser justo para com os que te menosprezam?
Obrigas muitos a mudarem de opinião a teu respeito; por isso te consideram. Abeiraste-te deles e, contudo, passaste adiante; é coisa que te não perdoam.
Elevaste-te acima deles; mas quanto mais alto sobes, tanto mais pequeno te vêm os olhos da inveja. E ninguém é tão odiado como o que voa.
“Como quereríeis ser justo para comigo! — assim é que deves falar. — Eu elejo para mim a vossa injustiça, como lote que me está destinado”.
Injustiça e baixeza é o que eles arrojam ao solitário; mas, meu irmão, se queres ser uma estrela, nem por isso os hás de iluminar menos.
E livra-te dos bons e dos justos! Agrada-lhes crucificar os que invejam a sua própria virtude: odeiam o solitário.
E livra-te ainda assim da santa simplicidade! A seus olhos não é santo o que é simples, e apraz-lhe brincar com fogo... das fogueiras.
E livra-te também dos impulsos do teu amor! O solitário estende depressa demais a mão a quem encontra!
Há homens a quem não deves dar a mão, mas tão somente a pata, e além disso quero que a tua pata tenha garras.
O pior inimigo, todavia, que podes encontrar, és tu mesmo; lança-te a ti próprio nas cavernas e nos bosques.
Solitário, tu segues o caminho que te conduz a ti mesmo! E o teu caminho passa por diante de ti e dos teus sete demônios.
Serás herege para ti mesmo, serás feiticeiro, adivinho, doido, incrédulo, ímpio e malvado.
É mister que queiras consumir-te na tua própria chama. Como quererias renovar-te sem primeiro te reduzires a cinzas?
Solitário, tu segues o caminho do criador: queres tirar um deus dos teus sete demônios!
Solitário, tu segues o caminho do amante: amas-te a ti mesmo, e por isso te desprezas, como só desprezam os amantes.
O amante quer criar porque despreza! Que saberia do amor aquele que não devesse menosprezar justamente o que amava?
Vai-te para o isolamento, meu irmão, com o teu amor e com a tua criação, e tarde será que a justiça te siga claudicando.
Vai-te para o isolamento com as minhas lágrimas, meu irmão. Eu amo o que quer criar qualquer coisa superior a si mesmo e dessa arte sucumbe”.
Assim falava Zaratustra(Primeira parte)
por Friedrich Nietzsche

1 comentário:

Leôncio Orégão disse...

demasiados erros de tradução do
castellano
autoria do criador