17.10.08

"A faca não corta o fogo"

Finalmente Herberto. Já esgotou na 'minha' livraria.Achei que merecia ser partilhado.
( Sabe bem sentir que continuo disponível para o espanto.)


" e eu que sou louco, um pouco, não ao ponto de ser belo ou maravilhoso ou assintático ou mágico, mas:
um pouco louco,
porque faço com mãos estilísticas um invento fora e dentro dos estados naturais:
e a faúlha e o ar à volta dela, joia, digo, quero-a de repente,
e as matérias maduras e dramáticas: ouro,petróleo:
e com que potência mandibular me debruço sobre o prato,
e ávido e inculto,
com mão de aprendiz côlho o áspero alimento do mundo,
e rosto, membros, torso, radiações dos dedos,
trabalho no meu nome,
obra pequena de hemoglobina, enxôfre, células, osso, lume,
para estar mais perto de quem acaso me chame ou toque
- eu,
sem beleza nem maravilha,
só dor,
desamor ou descuidada memória-
mas me conheça por isso que não é bem música,
talvez sim um som
dificílimo, sêco,acerbo, rouco, côncavo, precaríssimo,
de apenas consoantes
pregos"

( Herberto Helder, A faca não corta o fogo, 2008)

1 comentário:

Adriana Curado disse...

O Herberto é belo e maravilhoso.