7.8.07

Hei-de ver-me na escrita para não morrer


"Veio-me a vontade de escrever quando à força de medicamentos me obrigaram a calar, uma luta. Veio-me a vontade de olhar para mim quando ao chegar àquele hospital me disseram, tu não existes, tu és louca, quando me obrigaram a desaparecer numa camisa branca grande demais para mim. Sonho mirar-me num espelho. Tiraram todos os objectos cortantes e o espelho. O mais duro dos castigos não poder ver-se ao espelho. Encho uma bacia de água e olho-me nela. Olho-me durante muito tempo, miro-me e remiro-me vezes sem conta. Hei-de ver-me na bacia imunda que vai de louco em louco, água suja. Hei-de ver-me na minha própria baba.

Hei-de ver-me na escrita para não morrer."

Emma Santos, O Teatro


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