22.3.07

Dia Mundial da Poesia

Hoje faz um frio de Inverno, apesar de estar estabelecido que se inicia a estação das flores.

Hoje comemora-se o Dia da Árvore, estafada convenção, num mundo onde todos os dias se destrói floresta e se ergue betão sem contemplações.

Hoje é também o Dia Mundial da Poesia. Paramos, para ler um poema?

De Herberto Helder:

" Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.

Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.

Falo, penso.

Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.

E a morte passa deboca em boca com a leve saliva, com o terror que há sempre

no fundo informulado de uma vida.



Sei que os campos imaginam as suas próprias rosas.

As pessoas imaginam os seus próprios campos de rosas.

E às vezes estou na frente dos campos

como se morresse;

outras, como se agora somente

eu pudesse acordar.



Por vezes tudo se ilumina.

Por vezes sangra e canta.

Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.

Que a loucura tem espinhos como uma garganta.

Eu digo: roda ao longe o outono

e o que é o outono?

As pálpebras batem contra o grande dia masculino

do pensamento.



Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.

Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.



-Era uma casa- como direi?-absoluta.



Eu jogo, eu juro.

Era uma casinfância.

Sei como era uma casa louca.

Eu metia as mãos na água: adormecia, relembrava.

Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.



Apalpo agora o girar das brutais,

líricas rodas da vida.

Há no meu esquecimento, ou na lembrança total das coisas

uma rosa com uma alta cabeça,

um peixe como um movimento rápido e severo.

Uma rosapeixe dentro da minha ideia

desvairada.

Há copos, garfos inebriados dentro de mim.

-Porque o amor das coisas no seu tempo futuro

é terrivelmente profundo, ´s suave,

devastador.(...)"

in Ou o Poema Contínuo, Assírio e Alvim

Por mjoaoregala

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