29.1.07

"A força do direito enriquece-se com a democracia dos afectos"

Linda citação, com a qual Fátima Campos Fereira rematou o Prós e Contras de há uma semana, dedicado ao caso da menina que está a ser disputada pela família de acolhimento com quem vive desde os três meses de idade e pelo pai biológico, que desconhecia.

Pariciparam neste debate uma série de intevenientes, entre os quais Manuel Madeira Pinto (Juíz desembargador do tribunal da relação do Porto); Dulce Rocha ( representante da procuradoria da república), Edmundo Martinho (responsável pelo Instituto de solidariedade e segurança social) , Luís Villas Boas (sobejamente conhecido entre os tecnicos de saúde mental) e um representante do Observatório para a Adopção, do qual não assentei o nome.

Retive algumas coisas que considerei importantes:

Edmundo Martinho discorda da sentença atribuída ao "pai adoptivo" ( como lhe chamam, apesar de não ter-ainda?-chegado a sê-lo), mas ressalva que a permanência da criança com a família de acolhimento devera assentar nos pareceres positivos que até agora têm sido elaborados.

Dulce Rocha chama a atenção para a defesa prioritária dos interesses da criança, e afirma: " Não se pode perguntar: quem é o adulto que tem direito a esta criança?" Diz ainda que às vezes deve haver uma avaliação psicológica " por alguém que perceba mais de afectos do que os magistrados", mas acrescenta: " mas os magistrados também têm que saber!"( de afectos, claro)

Villas- Boas alerta para o perigo de se criarem "danos irreparáveis" na criança, e para o "risco de ver comprometido o seu desenvolvimento harmonioso e estável". " É preciso que o direito de menores em Portugal não seja um direito menor". Remata com a demanda de "uma democracia dos afectos", que serve de deixa para o encerramento do programa.

Madeira Pinto oferece um olhar mais isento sobre o caso, procurando apresentar-se sempre como jurista, portanto, como alguém que deve manter a objectividade, mas deixa escapar ( e convictamente) que " o juíz deve ser um mediador de sentimentos e não um julgador que aplique somente a lei cega".

Por fim ( last but not least) o representante do Observatório chama a atenção para a necessidade de se estudarem novas formaa de colocação prolongada de crianças em famílias ,, que preencham o lugar, seja ele qual for " entre a verdade biológica e a adopção plena". Formas " mais maleáveis" de acolhimento, resumindo.

Ora, até aqui, tudo muito lindo.

Poderíamos ter mudado o nome do programa para Prós e Prós, tal era o comum interesse pelo pleno exercício dos direitos fundamentais da criança.

Mas o que me espanta é, no fim de contas, se ter chegado a um quase generalizado consenso em torno da figura jurídica, pouco usada ( se calhar por razões óbvias) de "adopção restrita", que implica que a criança fique a viver com a família adoptante, mas mantendo uma relação, cujo formato seria designado judicialmente, com a família biologica.

Ora já não basta os entraves que estas figuras "maleáveis" trazem ao investimento afectivo por parte de todos os envolvidos, sobretudo à criança, que após abandono, negligência ou rejeição por parte dos pais biológicos ainda fica entregue ao purgatóro eterno, sem saber se tem o direito de pertencer a algum lugar, e ainda para mais vêm os entendidos dizer que esta é uma forma de o pai biológico se ir aproximando, criando uma relação com a criança para, quem sabe, um dia poder estar mais próximo...

Ficou no ar, inclusive, a hipótese de o pai vir a obter o poder paternal, pelo que podemos imaginar a segurança que esta medida vem trazer quer à família que se predispõe a adoptar a menina quer para a própria.

Sejamos claros: este é um caso de contornos difíceis e não há uma solução que agrade a todos. O que não podemos é caír na tentação de ser politicamente correctos, procurando satisfazer gregos e troianos, quando se prevê que propostas "maleáveis" como esta, em especial num caso onde tantas feridas se cravaram, só pidem trazar uma instabilidade ainda maior para esta criança.

Seria hilariante.

Caricaturando, o cenário seria algo como: " A menina foi com o pai Luís, o pai Baltazar, o psicólogo, as duas mães, o assistente social e o juíz de menores no comboio ao circo!"

Ora bem, mais enlouquecedor do que isto é difícil de encontrar.

Por mjoaoregala

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