Hoje faz um frio de Inverno, apesar de estar estabelecido que se inicia a estação das flores.
Hoje comemora-se o Dia da Árvore, estafada convenção, num mundo onde todos os dias se destrói floresta e se ergue betão sem contemplações.
Hoje é também o Dia Mundial da Poesia. Paramos, para ler um poema?
De Herberto Helder:
" Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
E a morte passa deboca em boca com a leve saliva, com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos de rosas.
E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
-Era uma casa- como direi?-absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metia as mãos na água: adormecia, relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no meu esquecimento, ou na lembrança total das coisas
uma rosa com uma alta cabeça,
um peixe como um movimento rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
-Porque o amor das coisas no seu tempo futuro
é terrivelmente profundo, ´s suave,
devastador.(...)"
in Ou o Poema Contínuo, Assírio e Alvim
Por mjoaoregala
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